Importância dos SAFs na Recuperação de
Áreas Degradadas

Ernst Götsch
Piraí do Norte, Bahia


AGRO
Terra cultivada;
Campo = extensão grande
de terras sem
Floresta

FLORESTA
Formação arbórea densa e, quando nos trópicos, compostas por grande número de espécies arbóreas, palmáceas, herbáceas, lianas, epífitas etc. formando organismos de altíssima complexidade, tanto na ocupação de espaço (extrato) por cada uma das espécies, como quanto as relações complementares inter- e intra-específicas entre eles.

Não são -- no sensu stricto -- antônimos?

E, se for assim, não seria questionável o uso como instrumentário as práticas inerentes ao aspecto AGRO na recuperação de áreas degradadas? Sendo que essas últimas chegaram, na sua grande maioria neste seu estado de calamidade devido ao fato de que a vegetação natural do local,que havia sido floresta, foi destruída, exterminada mediante o uso de práticas deste mesmo gênero AGRO.

E sabemos, que cada dia mais agravados são os problemas em forma de distúrbios climáticos, falta de água, escassez de recursos em geral etc. , causados por ações antrópicas. E - novamente - a maioria dessas, ligadas diretamente ou indiretamente a atividades do mesmo acima citado gênero AGRO.

Com tudo isso, pacientemente, em todos os locais onde houver uma ferida na floresta, a natureza nos dá o exemplo de como proceder para resolver, e se quiséssemos, para evitar esses por nós criados problemas: Vêm trazidos pelo vento, por animais, ou estavam esperando a sua vez para nascer no local, crescer em forma de sementes ou restos de rizomas, liquens, musgos, gramíneas, ervas, cipós, árvores, palmeiras e, em conjunto e com a ajuda de milhares de espécies de bactérias e fungos e uma imensa diversidade de membros do reino animal, insetos, roedores, aves, etc. - muitos deles considerados pelo homem como "nocivos" ou "pragas" - criam prósperos organismos em que nada falta. Remobilizam os, antes por nós achados faltantes, minerais: Aumentam, mediante a participação de todos em conjunto, a qualidade e quantidade de vida consolidada e conseguem um superávit energético, tanto no sub-local da intervenção deles, quanto no macroorganismo planeta Terra por inteiro. E desenvolvendo-se, criam condições para novas, outras, mais numerosas e mais ricas formas de vida. Água torna a brotar, purificada, revitalizando os córregos, rios, e peixes começam a aparecer de novo ....

Cada um dos participantes cumprindo sua prazerosa função, que por sua vez resulta em abundância, num aumento dos recursos, tanto no local em que eles vivem, quanto no Planeta Terra inteiro. Um mundo de amor e cooperação. O fluxo de vida movido pela dinâmica da sucessão natural.

A nossa arte não consiste no “fazermos”, no “trabalhar a terra”, no “adubá-la”, no “irrigá-la” e no “controlar pragas e ervas invasoras” — no AGRO — ; senão no
1) saber escolher por espécies - desejadas que produzam o que nós precisamos para viver e outras que as ajudem para cumprir a sua tarefa - que sejam adequadas ao ecossistema a intervir, e;
2) no saber inseri-lás harmoniosamente no fluxo de vida da vegetação e da fauna do nosso local, para que, em sincronia e com efeitos sinergéticos entre eles, no conjunto, cada um dos participantes possam contribuir da sua melhor forma na cocriação do organismo cuja parte todos eles são.

Posto na prática, a nossa pauta de recuperar áreas degradadas, significa que: Em vez de jogar no lixo, intoxicando o nosso ambiente, podemos transferir todas as sementes de frutas que comemos, incluindo aquelas que não conseguimos comer, e as de todas as flores, árvores e palmeiras que plantamos nos lugares em que vivemos. E as que as plantas nos caminhos onde andamos nos presenteiam, todas para aqueles lugares que já estão pedindo que as recebam.

E, exemplificado para áreas bastante degradadas em ecossistemas parecidos ao do local desse nosso congresso: As manivas que sobram do cultivo de mandioca: em vez de empilhá-las e seca-las para que não cresçam mais, também as transferimos para aqueles lugares. Ali as distribuímos, e na sua forma comprida, as inserimos com a parte do pé delas um pouquinho na terra. Se tivéssemos umas mudas de abacaxi sobrando, as traríamos também. Não precisaríamos antes arar a terra para elas! Bastaria inseri-las um pouco, usando um ferro de cova. Ou — se o seu tempo fosse muito pouco ou a confiança nelas pequena, a lanço poder-se-iam distribui-las também.

Para lugares nus, em que nada tem, e que no momento nada criam, traz-se umas sementes/mudinhas de piteira ou sisal. E para que elas não fiquem sozinhas, e tristes por isso, as traga umas sementes de macela, de cosmos, de crotalária, que encontras nas beiras das estradas, de rompe-chibão, de lantana e de outros que gostariam de crescer ali.

Não se esqueça das sementes dos cipós! Para nossa específica situação, a mucuna, ou quando um local muito degradado, o feijão bravo do nordeste vão ser especiais, maravilhosos e indispensáveis ajudantes - condicionado que nós saibamos ajuda-las: Trazendo-as para que elas possam crescer!

Trazidos, distribuídos, todos eles no momento certo, em conjunto com aqueles que o próprio lugar agrega, crescerão. Umas mais rápidas, outros mais lentamente. Cobrem o solo, melhoram a terra... E já começam trepar os feijões nas manivas e com poucas semanas formarão um baldaquim. Para as árvores e palmeiras da nova floresta, que estará a se desenvolver, um perfeito viveiro, em situ: autodinâmico, ar-condicionado, autofertilizador e úmido... E uma cobertura que se eleva na medida do necessário. O que cresce de gramíneas e por enquanto pelo homem ainda achados “matos” viram adubo e deixarão as suas sementes. Com um ano, ou menos, ou mais, tendo cumprida a sua função, o nosso viveiro além de ter melhorado o solo, gestada, protegida e nutrida a nossa chovem floresta, nos criou o material para plantar novos do mesmo modelo dele em outros lugares necessitados. E raízes, ele nos dá, para comermos. Manihot utilissima. Tirando esse viveiro, aproveitamos também, para fazer um primeiro raleamento na multitude de árvores, deixando num espaçamento denso ainda as mais bonitas e podando as outras. Transformação de matéria orgânica resulta em frutificação...

Os abacaxizeiros, fortes já, recebendo nesse momento um pouco mais luz começarão a frutificar. Após a colheita do abacaxi a nossa área, entretanto, estará recuperada e cheia de vida, numa próspera, densa e biodiversificada nova floresta. E as nossas frutíferas: banana prata, cítricos, jaqueira, mangueira, pupunha, açaí, cacau, cupuaçu, bacaba, araçá, uxí e inúmeras não mencionadas espécies fazem parte orgânica desse grande e acolhedor organismo.

Em resumo, de suma importância, a serem usados como instrumentário para a recuperação de áreas degradadas, são as estratégias que as próprias matas seguem na re-ocupação de clareiras com similares características as nossas áreas em questão.

Os significados do termo AGRO são incomensuráveis com os de FLORESTA. E o uso das estratégias inerentes ao AGRO como instrumentário na recuperação de solos seria um empreendimento questionável.

fonte: Anais do IV Congresso Brasileiro de Sistemas Agroflorestais. Ilhéus, Bahia, Brasil. Outubro de 2002.

 

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