Matéria exibida no dia 01/08/2010 no programa Globo Rural sobre a recuperação das margens dos rios na bacia do Xingu. O vídeo aborda iniciativas apoiadas pela Campanha Y Ikatu Xingu do Instituto Socioambiental a coleta de sementes dentro do Parque Indígena do Xingu pelos jovens Ikpeng e a recuperação das áreas degradadas utilizando plantio com máquinas.
Primeira Parte
Segunda Parte
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http://globoruraltv.globo.com/GRural/0,27062,LTO0-4370-341806-1,00.html
http://globoruraltv.globo.com/GRural/0,27062,LTO0-4370-341807-1,00.html
Essa matéria é uma continuação do que foi exibido no domingo anterior (25/07/2010) intitulada Socorro às nascentes. Assista aqui: Primeira parte e segunda Parte.
Transcrição
Primeira Parte
“A bacia do rio Xingu, em Mato Grosso, enfrenta um sério problema: uma área de 300 mil hectares das florestas que protegiam suas nascentes foi desmatada para o plantio de capim e soja. Nós mostramos isso no domingo passado.
Agora você vai ver como os próprios índios do parque do Xingu estão ajudando os fazendeiros a reflorestar essas áreas. A reportagem é de Ivaci Matias e Francisco Maffezoli Junior.
A cidade de Canarana, no nordeste de Mato Grosso é vizinha do parque indígena do Xingu. O município tem um milhão e setecentos mil hectares e faz parte da nova fronteira de produção de soja do estado.
Os desmatamentos para a formação das lavouras chegam até a divisa do parque. O problema é que durante a abertura das áreas muitos agricultores avançaram nas matas ciliares dos riachos que alimentam o rio Xingu. Hoje eles estão sendo pressionados a fazer a recuperação dessas áreas, chamadas de APPS, áreas de preservação permanente.
A secretária da Agricultura de Canarana Eliane Feltem dá a dimensão do problema. “Nós temos aproximadamente 30 mil hectares que são necessários fazer a recuperação. Isso não quer dizer que as margens dos rios estão totalmente desprovidas de vegetação, apenas esta vegetação não está na largura que prevê a lei, que é de 50 metros, no caso do leito do córrego do rio e cem metros no caso da cabeceira”, explica.
Seu Arlindo já decidiu fazer a recuperação desta área ao longo do rio que corta sua fazenda. Ele cercou o lugar e plantou crotária, uma leguminosa que está em floração.
Além de fornecer nitrogênio para o solo, ela está fazendo sombra para as árvores nativas que ele plantou no meio. Quando completar o seu ciclo a leguminosa vai morrer e dar espaço para as árvores.
Seu Arlindo não usou mudas e sim sementes que foram colocadas diretamente no solo. O processo é mais barato, mas exige uma quantidade muito grande de sementes. E haja sementes para recuperar os trinta mil hectares de Cananara e mais 270 mil desmatados em toda a bacia do rio Xingu.
Depois de tanto derrubar a floresta, hoje, para conseguir sementes, os agricultores têm que apelar para a reserva do parque indígena do Xingu.
A convite do Instituto Sócioambiental, organização não governamental que trabalha com os índios, quatro etnias do parque estão trabalhando na coleta de sementes. A campanha leva o nome de Y Ikatu Xingu, que na língua dos índios quer dizer: “Salve a água boa do Xingu”.
Vamos conhecer o trabalho dos índios ikpenges. Eles eram guerreiros que viviam no norte da região amazônica disputando território com outras tribos. No final do século 18, eles migraram para o Mato Grosso e se fixaram nas margens do rio Jatobá. Foram transferidos para o parque indígena do Xingu em 1967, pelos irmãos Villas Boas.
Os ikpenges falam uma língua da família caribe. O primeiro contato deles com o homem branco se deu no início dos anos sessenta. Fotos da época mostram o sertanista Orlando Villas Boas trocando presentes com eles.
Na época, Paikuré, tinha uns 18 anos e diz que nunca vai esquecer a cena de Orlando Villas Boas chegando na aldeia. “Eu armei o arco e já ia atirar a fecha no peito dele. Ele tinha uma figura estranha, aquela barba, parecia um bicho. Aí ele ergueu os braços e vi que era um amigo…”, conta.
Hoje a tribo ikpeng tem 400 índios, na maioria jovens que trabalham na coleta de sementes. No caminho até a floresta passamos pelo mandiocal, principal cultura da tribo, que também cultiva abacaxi. Os produtos da roça servem apenas para o sustento deles.
Já a extração de sementes passou a ser uma fonte de renda. Tudo que coletam é comercializado na cidade de Canarana. Para escolher as espécies mais importantes os ikpenges fizeram um mapeamento da floresta como explica o Oremé.
“Uma marca indica que no local tem um recurso importante para nós, agora eu vou colher esta fruta que nós consumimos como sucos ou a própria polpa”, diz.
Seu nome em português é pitomba. Frutinha muito doce típica da zona de transição entre o cerrado e a Amazônia. Elas ficam bem no alto. Chegar até lá para coletar as sementes não é nada fácil.
Oremé orienta o Wayge que foi escolhido para escalar a árvore. Paykuré está preocupado. “Ele pediu para eu prestar atenção, pra ver vespa, e também choveu e pode escorregar”, diz. Eles comem a polpa e guardam os caroços num saco plástico.
Depois o grupo muda de área. A caminhada é longa até o centro da floresta onde estão as árvores maiores. No meio do caminho uma nascente brota da terra. Água limpinha pra matar a sede.
Depois de duas horas mata a dentro, chegamos na área da coleta. A árvore é um Angelim Saia. Suas sementes estão dependuradas lá no alto. Elas surgem em pencas presas nos cipós. De novo o pessoal vai ter que escalar a árvore para fazer a coleta. Waygé dá uma olhada e desiste da empreitada.
O engenheiro florestal Marcos Schmidt do Instituto Sócioambiental coordenou o treinamento deles para este tipo de situação. A técnica usada é o rapel. Oremé amarrou uma chumbada na ponta de uma linha de pesca e vai atirá-la de estilingue no galho mais forte da árvore.
Acerta de primeira e depois puxa a linha de volta para amarrar suas cordas e levá-las lá em cima. Depois testa para ver se aguenta o peso do Oremé. Ele veste seu cinturão e vai encarar a subida. A chegada se deu bem no meio dos cachos de sementes. Lá do alto Oremé faz sinal de que está tudo bem.
Usando um alicate de poda ele começa o serviço e o restante do pessoal vai juntando. Marcos Schmidt mostra as sementes do Angelim e diz que o preço pago para os índios pela coleta varia de cinquenta centavos a quinhentos reais o quilo. “O quilo de uma semente grande, são poucas sementes. O quilo de uma semente bem miudinha são milhares, então esta questão também influencia no preço. Além do valor monetário, eu acho que a experiência e o reconhecimento deles nesta luta de recuperação esta região, que foi muito desmatada, eu acho que isso é o maior benefício para eles também”, diz.
Missão cumprida e Oremé recebe o aplauso do pessoal. Na próxima reportagem você conhece as árvores plantadas com as sementes colhidas pelos índios do Xingu, a muvuca de sementes: técnica desenvolvida para fazer o plantio de uma floresta usando a mesma máquina que semeia as lavouras de soja, e a história de um garoto que convenceu o pai dele a recuperar a área degradada da fazenda.”
Segunda Parte
“Vamos à segunda parte da reportagem sobre a recuperação das matas na região das nascentes do rio Xingu. Você já imaginou plantar uma floresta de uma tacada só? Agora, você vai conhecer a muvuca, uma técnica para semear árvores usando plantadeira de capim e de soja.
É na sombra de um barracão construído no meio da aldeia que os índios ikpenges armazenam as sementes coletadas na floresta. Ao ar livre elas passam por um processo natural de secagem.
Tem semente de todo tipo: no formato de esponja, o tingui imitando um coração, castanhas e outras que parecem batata inglesa.
Para transportar o produto até a cidade Canarana o pessoal pega a única estrada da reserva: o rio Xingu. A viagem leva um dia inteiro.
Waengué e Oremé são os responsáveis pela comercialização do produto na cidade. Eles vendem tudo para a rede de sementes coordenada pelo Insituto Sócioambiental.
O biólogo Eduardo Campos, mostra onde o material é armazenado. “Nós temos um equipamento que tira a umidade e bem acondicionado, então a semente não mofa, fica seca e sem bicho, então a gente consegue guardar ela por muito tempo. Cada caixa tem uma espécie de semente”, explica.
Os técnicos trabalham com 160 espécies florestais. Numa parceria com a prefeitura de Canarana instalaram um viveiro, onde as sementes são selecionadas. As moles serão usadas na produção de mudas e as duras podem ir direto para a terra.
Eduardo diz que a semente do Angelim é uma das mais caras, porque é difícil de colher e de germinar. “Como ela tem a casca dura, a gente dá um choque térmico para germinar mais rápido. Põe na água quente e depois na fria. A casquinha dela que é bem dura, trinca e a água consegue penetrar, daí a semente começa a nascer em vinte dias, se não, poderia demorar de um a dois anos para ela nascer sozinha”, explica.
Anderlei Goldoni comprou sementes e mudas de quarenta espécies diferentes para reflorestar três hectares no entorno do rio que corta sua fazenda. Nós visitamos a área junto com os índios. O plantio tem dois anos e meio e muitas árvores já estão com três metros de altura.
Para o reflorestamento de pequenas áreas como a do Anderlei os pesquisadores recomendam o plantio de mudas. Mas para áreas maiores a técnica que está sendo testada é a muvuca de sementes.
Foram selecionadas 41 espécies nativas que serão plantadas de uma vez só. Elas tem um rápido crescimento, algumas delas são chamadas de pioneiras e tem outras espécies que crescem mais devagar e que vão formar a floresta do futuro.
A receita para plantar em meio hectare leva dois sacos de 60 quilos de terra de barranco e um de areia. A primeira semente da muvuca é o feijão de porco, uma leguminosa que não é nativa do Brasil. “Ela é fundamental nos primeiros seis meses a um ano da floresta, porque ela é uma espécie rasteira, mas que faz um sombreamento muito rápido. Ela tem a função também de descompactar o solo com as suas raízes e de trazer nitrogênio para o solo através das suas folhas que vão caindo e decompondo em cima da terra. Ela vai melhorando as propriedades físicas e químicas do solo”, esclarece.
Em seguida começa uma verdadeira salada de sementes de espécies florestais nativas. Tem até isca para formiga. “A gente não mata a formiga dos reflorestamentos, a gente coloca comida para elas, por exemplo o tamarindo que é uma semente que conseguimos fácil, então essa a gente usa bastante, porque germina bem e a formiga adora cortar”, diz.
A muvuca é colocada na caixa de adubo da plantadeira de soja. A área é experimental, os técnicos do Instituto Sócioambiental estão testando o plantio das sementes florestais com a plantadeira. A máquina é a mesma do plantio direto da soja e do milho. Ela rasga o solo e coloca a semente na cova.
Para completar o serviço homens espalham as sementes que não podem ser enterradas. São espécies que só germinam na flor da terra, como o tingui e os ipês.
Vemos o resultado numa área onde as sementes já germinaram. As folhas largas são do feijão de porco que sombreia outras mudinhas. “O plantio na área só tem três semanas, quando é possível ver as espécies que nascem mais rápido”, diz o biólogo.
Visitamos a fazenda Bang Bang que cria gado de corte e já plantou duzentos hectares de florestas usando a muvuca. Ao invés de terra eles usam serragem e adubo químico. O gerente da fazenda Anderson Araújo diz que o sistema é muito prático: economiza a mão de obra da produção de mudas e também do plantio.
A máquina que espalha as sementes é o tornado a mesma que eles usam para plantar capim. Atrás vai uma grade leve vai cobrindo tudo. “É impressionante a germinação rápida. Na nossa planilha o custo maior é o da cerca, embora este processo seja muito mais barato, a cerca é muito cara”, explica Luiz Castelo, agricultor.
Mas quem não lida com pecuária pode dispensar a cerca. Isso vale pra sementes e mudas. É o que acontece nesta fazenda que produz soja em Canarana. Os alunos da escola municipal estão reflorestando as margens do rio Queixada. A idéia de fazer o reflorestamento é deste garoto o Igor que convenceu o pai dele, o seu Sebastião Trovo a fazer o serviço.
Rodrigo Junqueira, do Instituto Sócioambiental diz que a junção dessas florestinhas ao longo dos rios vão acabar estabelecendo corredores que no futuro ligarão as áreas das fazendas com a floresta do parque indígena do Xingu.b “Ele vai permitir que a água que corre pra dentro do Xingu, possa correr com uma qualidade melhor e que não tenha nenhum risco de contaminação”, explica Rodrigo Junqueira, engenheiro florestal.
Hoje o Igor tem quinze anos – se o pessoal cuidar bem das mudinhas quando ele tiver o dobro da idade vai poder caminhar dentro da floresta que ajudou a plantar.
O parque indígena do Xingu, que está fornecendo as sementes para a recuperação das matas devastadas da região, é do tamanho de Sergipe. Não existe reserva de floresta contínua maior em Mato Grosso. É um tesouro que merece todo o cuidado para garantir o espaço dos índios e o patrimônio genético para as gerações futuras.”