Movimento “Mutirão Agroflorestal”:

Rede de integração e troca de experiências para a consolidação dos conhecimentos e difusão da agrofloresta

Apresentado no IV CBSaf - Out/2002.
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Índice

 Introdução
 Métodos
 Resultados e Discussão
 Conclusões
 Referência Bibliográfica


Veja também outras informações sobre o Mutirão Agroflorestal


Valquíria GARROTE(1), Denise Bittencourt AMADOR (2), Renata Zambello de PINHO (3), Fabiana Mongeli PENEIREIRO (4), Maurício MARCON (5).
(1) ESALQ/USP Av. Pádua Dias, 11 Cx P 09. E-mail: [email protected]
(2) FAFRAM e Faz. São Luiz- São Joaquim da Barra/SP Cep 14 600-000
(3,4) Projeto Arboreto/Parque Zoobotânico/Universidade Federal do Acre - Caixa Postal 1035, 69900-000, Rio Branco/AC
(5) Ministério do Meio Ambiente/FNMA Esplanada dos Ministérios, Bloco B, 7º andar, 70068-900. Brasília, DF.

Introdução

A agrofloresta é uma forma de uso da terra em que as espécies agrícolas e florestais são plantadas e manejadas em associação, considerando a estrutura e a dinâmica dos ecossistemas onde estão inseridas, fundamentando-se na sucessão natural das espécies. Representa a interface entre a agricultura e a floresta, aliando a produção à conservação dos recursos naturais; possibilita a recuperação de áreas alteradas e intensifica a produção em pequenas áreas por muitos anos. As espécies da regeneração natural são consideradas como componentes da agrofloresta que, com alta diversidade de vida, promove um maior equilíbrio ecológico, podendo ser uma alternativa promissora para os países tropicais, ricos em biodiversidade. Esse sistema de produção envolve práticas e conhecimentos antigos, fundamentalmente usados por índios e populações tradicionais, e há pouco tempo a ciência vem se dedicando ao estudo aprofundado desses saberes e dessa forma de uso da terra. Atualmente, o que se encontra são poucas experiências, ainda tímidas e isoladas, com agrofloresta no Brasil. A maior parte pode ser identificada generalizadamente como sistemas agroflorestais (SAF´s), que se tratam de sistemas de produção em consórcio, onde o elemento arbóreo aparece combinado com culturas agrícolas, quase nunca sendo análogos a uma floresta em estrutura e função. Assim, a maioria dos SAF’s apresenta um baixo nível de complexidade e diversidade, pouca dinâmica, inclusive não aproveitando o potencial da ciclagem dos nutrientes. Desenvolver sistemas de produção análogos à floresta, que busquem ser similares em estrutura e função, é ainda um desafio e pode ser um caminho real para a sustentabilidade na agricultura. O agricultor-experimentador Ernst Götsch vem desenvolvendo um trabalho nesse sentido, com implantação de agroflorestas sucessionais, desde 1986 em sua fazenda, no município de Piraí do Norte, Bahia. Sua filosofia e técnica inovadoras (Götsch, 1995) motivaram um grupo de profissionais e estudantes das áreas de ciências agrárias, biológicas e humanas a se unirem para discutir os conceitos e aprender através da troca de experiências, gerando a possibilidade de realização de um trabalho coletivo, aglutinando conhecimentos e catalisando as ações. Surge assim, em 1996, o grupo “Mutirão Agroflorestal”, que é um movimento espontâneo e segue uma dinâmica própria. Esta união gerou a criação de um fluxo de informações e a constituição de uma rede de pessoas, viabilizando a troca de material bibliográfico, sementes, informes, idéias, dúvidas e estímulos. O número de pessoas, oriundas de diversos lugares e instituições, atraídas pela proposta, foi se ampliando, tornando o grupo maior e dinâmico com o passar do tempo. Profissionais de diversas áreas passaram a participar e fazer presente o enfoque interdisciplinar e holístico que a agrofloresta e a educação ambiental requer e possibilita. Esse grupo tem como principal característica a integração de pessoas em torno da aprendizagem, experiência, vivência e prática em agrofloresta. Os “Mutirões Agroflorestais” promovem a construção do conhecimento integrado, gerando e sistematizando informações sobre agroflorestas a partir da implantação de áreas experimentais e demonstrativas em diversos contextos sócio-ambientais. O Grupo Mutirão Agroflorestal tem como seus principais objetivos: i) construção coletiva do conhecimento em agrofloresta a partir do trabalho prático e participativo; ii) capacitação de técnicos, estudantes e agricultores em técnicas de manejo e estratégias de desenvolvimento rural baseado em agroflorestas; iii) desenvolvimento de metodologias educativas com vivência na implantação, manejo e avaliação de agroflorestas e iv) difusão dos princípios e técnicas do manejo agroflorestal a partir de vivências práticas.
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Métodos

O grupo segue os princípios desenvolvidos por Ernst Götsch. Seu trabalho é um referencial para a transformação da relação do ser humano com a terra e a natureza nas atividades agrícolas. A lógica de suas intervenções é criar agroecossistemas parecidos, na estrutura e função, aos ecossistemas naturais e originais do lugar, encontrando as condições em que cada planta se desenvolve melhor. Os princípios para a implantação e manejo incluem o conhecimento das características ecofisiológicas das espécies, a diversidade e alta densidade de plantas, tendo a poda e a capina seletiva como instrumentos dinamizadores para acelerar os processos sucessionais. Atualmente o grupo funciona através de uma rede, que se comunica via internet e se fortalece nos encontros bimestrais em propriedades ou áreas de trabalho de participantes do grupo, abertos à participação de diversas pessoas, entre as quais, agricultores, estudantes, pesquisadores e profissionais de diferentes áreas. Os encontros (mutirões) propiciam a construção do conhecimento integrado, gerando e sistematizando informações sobre agrofloresta e processos educacionais, por meio de: i) diagnóstico, planejamento e implantação de áreas experimentais/demonstrativas em diversos contextos sócio-ambientais; ii) troca de experiências; iii) dinâmicas e vivências para estimular a percepção e compreensão dos ecossistemas; iv) atividades lúdicas como processo didático e expressão dos aprendizados. Os locais de intervenção, por estarem em contextos bem distintos, trazem uma riqueza muito grande para o grupo, pois possibilitam o trabalho em áreas ambientalmente diversas e com objetivos diferenciados pelas demandas locais, se adequando às necessidades dos participantes, podendo ser mais voltados para estudantes ou para agricultores, por exemplo. As áreas implantadas nas diversas regiões passaram a constituir os “núcleos”, que são as unidades experimentais e demonstrativas e aglutinam instituições locais e pessoas da região, formando pólos de irradiação e difusão da proposta. As etapas de diagnóstico, planejamento e intervenção são registradas por relatores eleitos em cada mutirão e atualizadas pelo responsável por cada área. Entre 1997 e 2000 foi produzido e circulado o boletim “Recirculando”, com informações sobre os mutirões, propostas de exercícios, o acompanhamento e avaliação das áreas, além de poesias, receitas e letras de música. A manifestação artística (música, dança, teatro, pintura) é um ponto alto e sempre presente em todas as atividades do grupo, muito usada como instrumento de percepção, avaliação, planejamento e registro. Com o desenvolvimento dos trabalhos do grupo, houve a necessidade e o desejo de aprofundar alguns enfoques a fim de otimizar a experiência acumulada. Para isso foram constituídas as comissões de trabalho: i) formação permanente, com o objetivo de desenvolver métodos pedagógicos para o ensino e o permanente aprendizado; ii) pesquisa e experimentação, para o desenvolvimento de indicadores de avaliação, além da aproximação com universidades e centros de pesquisa; iii) comunicação, para comunicação interna do grupo através do boletim “Recirculando” e internet; iv) sustentabilidade, com o objetivo de gerar e captar recursos para a manutenção das atividades do mutirão, e v) crianças, com o objetivo de realizar atividades educativas com as crianças, para que comecem, desde cedo, compreender a complexidade da agrofloresta.
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Resultados e Discussão

Ao longo desses seis anos houve 36 mutirões, com uma média de 30 pessoas por encontro, totalizando aproximadamente 300 pessoas, considerando que algumas pessoas participaram de mais de um encontro. Na Tabela 1 encontram-se os locais onde já ocorreram mutirões, as características das áreas e o número de mutirões em cada área.

Tabela 1 - Os núcleos e o contexto onde estão inseridos e as principais atividades do Grupo
Locais
Contexto
Mutirões
Sítio Bela Vista - Cananéia, SP
Entorno de UCs* Pequenos agricultores Mata Atlântica.
3
Fazenda São Luiz - São Joaquim da Barra, SP
Região canavieira Mata Atlântica/Cerrado.
11
Sítio Ana Rosa - Barra do Turvo, SP
Entorno de UCs* Pequenos agricultores Mata Atlântica
3
ESALQ - Piracicaba, SP
Meio acadêmico Grupo SAFs de estudantes, Professores e pesquisadores.
3
Grupo GAE - UFRRJ, RJ
Meio acadêmico Grupo de agricultura ecológica - GAE
1
Grupo Yebá - UFLA, Lavras, MG
Meio acadêmico Grupo Yebá de estudantes- Mata Atlântica/Cerrado
3
Sítio Monte Alegre - Amparo, SP
Pequena propriedade Mata Atlântica
3
Sítio Portal do Sol - Caldas, MG
Pequena propriedade Mata Atlântica
3
OCA - Alto Paraíso, GO
Comunidade RPPN Cerrado
1
Outros Locais
------
5
*UCs - Unidades de Conservação

Algumas áreas vêm sendo acompanhadas há cinco anos com o retorno do grupo para avaliação, planejamento e manejo. Essas informações são disponibilizadas por meio de uma rede de comunicação via internet, que existe desde 1999, com 60 participantes ativos. Em 2002 está sendo criada uma homepage, incluindo informações gerais, relatos e trabalhos do Grupo Mutirão Agroflorestal e seus núcleos. Até o momento, dentre os resultados alcançados podemos ressaltar o avanço na capacitação de profissionais e estudantes no manejo e compreensão da agrofloresta sucessional, a elaboração e experimentação de uma série de metodologias em educação agroflorestal, o desenvolvimento de dissertações e iniciações científicas sobre agrofloresta e sobre educação ambiental, a implantação de seis áreas experimentais, a difusão da agrofloresta nos núcleos estabelecidos, troca de sementes entre agricultores e instituições, e “Rede Agroflorestal” em atividade e expansão. As atividades artísticas e lúdicas contribuíram para unir fortemente os participantes dos mutirões, ajudando a fortalecer o sentimento de grupo, de responsabilidade com o planeta e de irmandade em uma casa comum. Tudo isto mantém acesa dentro de cada um a vontade de ajudar na manutenção da vida do planeta. Muitos integrantes do Mutirão estão trabalhando na difusão de agroflorestas em várias regiões do país, e sempre que necessário recorrem ao grupo para o esclarecimento de dúvidas, contar uma experiência que deu certo, ou propor ações para que o grupo todo possa evoluir junto. Há representantes do Mutirão trabalhando com a questão agroflorestal nos estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás, Acre, Amazonas e Ceará.
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Conclusões

Os mutirões contribuem para a capacitação em planejamento, manejo e avaliação de agroflorestas, o avanço do conhecimento técnico e científico, a divulgação e difusão da agrofloresta, e a implantação de áreas experimentais e demonstrativas em diversos contextos. A importância deste trabalho é enorme por se tratar de uma atividade educativa, com amplo potencial de disseminação pelos participantes e a geração do conhecimento a partir do aprendizado prático e da vivência. A experiência interna é transformadora e desponta como um método educativo muito eficaz em que o conhecimento transcende a técnica, onde a percepção, a observação e a participação são estimuladas. Grupos como este faz com que indivíduos com identidade comum criem vínculos, possibilita a sinergia, a cooperação, a integração, tanto de esforços quanto de conhecimentos, e a ampliação da capacidade e potencialidade das atividades e das pessoas. As redes entre organizações e pessoas desempenham função de grande importância para as sociedades sustentáveis ao conectar informações e atividades, criando bases para o movimento transformador. O aprender fazendo, acreditar que é possível encontrar soluções harmoniosas com o meio e, através do plantar e do colher promover a vida e entender sua complexidade. Assim como difundir esse ideal através de encontros que ultrapassam a simples técnica, resumem, de forma simplificada, o perfil do Grupo Mutirão Agroflorestal. Estamos vivenciando um processo, um conhecimento em construção e este se dá ao longo de todos nossos gratificantes encontros e pela internet. É preciso enfatizar que não há apenas um autor para esse resumo, somos todos responsáveis pelo movimento, e talvez esta seja a melhor palavra para o desfecho deste trabalho que não se esgota aqui: Movimento - o que nos move, o que podemos movimentar com nossos corpos, pensamentos e sentimentos. "A utopia é a força motriz de todo o ato revolucionário, e a cientificidade e a racionalidade têm matado a utopia”

Referência Bibliográfica

GÖTSCH, E. O Renascer da Agricultura. Rio de Janeiro: AS-PTA, 1995. 22p.
(disponível online em inglês)

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