Sistemas agroflorestais e pousio melhorado como alternativa a agricultura de corte e queima
por Fabiana Mongeli Peneireiro
Engenheira Agrônoma - MsC em Ciências Florestais na
ESALQ/USP
Escola da Floresta - Rio Branco - AC
email:fmpeneireir@.(tirar_essa_parte).yahoo.com
Originalmento publicado em:
Agrianual 2002 - Anuário da agricultura brasileira
www.fnp.com.br
Um problema comentado pela maior parte dos agricultores familiares do Acre que pratica agricultura de corte e queima é que a terra, apos a queima, mantem-se produtiva por apenas dois ou três anos e depois fica “fraca”, ou seja, com baixa fertilidade. Porem, essa terra, se deixada em descanso, as plantas consideradas invasoras, daninhas, acabam melhorando a fertilidade dessa terra. Sistemas agroflorestais biodiversos e pousio melhorado são apresentados como alternativa para reduzir o período de pousio e manter a fertilidade do solo no tempo, sem depender de insumos externos. Alem disso, essas formas de uso da terra contribuem para reduzir as queimadas e a necessidade de desmatar novas áreas.
A agricultura de corte e queima é uma pratica milenar já utilizada pelos primeiros habitantes do Brasil e ate hoje praticada por centenas de milhares de agricultores. Apos uma boa produção por poucos anos, a terra onde a mata bruta fora derrubada e queimada começa a dar sinais de que esta “fraca”, e o agricultor geralmente abandona essa área em descanso para que se recupere a partir das próprias plantas, consideradas invasoras ou daninhas e, depois de algum tempo, seja restabelecida a fertilidade. Assim, se o agricultor voltar na área apos alguns anos poderá novamente plantar as culturas que gostaria de ter plantado anos atrás e que observou que não produziria nada, porque apos o pousio aquela terra volta a ser produtiva. Porem, hoje em dia o que se vê é um rastro de pasto acompanhando as pequenas áreas de roçado. Onde teria uma capoeira para recuperar a terra para a produção de lavoura branca, mais e mais encontramos pastos degradados, pouco produtivos. Assim vai crescendo a área de pasto nas colônias dos agricultores familiares.
Já é comprovado que o retorno econômico de 1 ha de pasto é muito inferior a um hectare de plantio de hortaliças ou culturas perenes.
Para solucionar o problema da perda de fertilidade sem necessitar do tempo de pousio, a proposta que a agricultura moderna apresenta é a mecanização, com introdução de calcário e fertilizantes químicos. O solo sempre descoberto, exposto ao sol e chuvas intensas, acaba se degradando cada vez mais, exigindo do agricultor cada vez mais insumos, gerando um ciclo de pobreza e degradação. Essa tecnologia ate pode trazer resultado econômico em um curto período de tempo, mas depois de alguns anos, o solo esta compactado, erodido, sem vida, e os igarapés (riachos) assoreados e secos.
Se quisermos resolver essa questão nos fundamentando na agroecologia, buscando a sustentabilidade, primeiro procuramos compreender, junto com o agricultor por que a terra fica fraca, entendendo como funciona a floresta, o ciclo da água e dos nutrientes e o que acontece quando se coloca fogo e a terra fica descoberta, como no caso do roçado. Procuramos estudar os benefícios da matéria orgânica ao observar o solo coberto e exposto. Quando se trabalha essas evidencias, vai-se construindo esse conhecimento junto com o agricultor e ele mesmo pode ser o protagonista da solução de seus problemas.
No caso de contornar o problema da terra fraca, ou de apresentar formas mais sustentáveis de manter a fertilidade do solo, procuramos desenvolver sistemas agroflorestais biodiversos onde ha, como elementos fundamentais, as que chamamos de arvores de serviço, que são aquelas que não tem interesse econômico direto, mas que são importantes no sistema por contribuírem para a ciclagem dos nutrientes, gerarem um microclima adequado para as culturas de interesse econômico, estabelecer interações positivas entre as plantas e também a vida do solo. A poda é a ferramenta de manejo para dinamizar todo o sistema.
As plantas anuais são fundamentais em um sistema agroflorestal, pois alem de se estabelecerem no lugar das “plantas invasoras”, evitando capina nos plantios perenes, gera retorno econômico em um curto espaço de tempo, contribuindo inclusive para pagar a instalação de uma lavoura perene como de café, cacau, cupuaçu, citrus, etc. Um estudo mostrou que muitos dos sistemas agroflorestais no estado do Acre que estão hoje abandonados ou que são vistos como fracassados, tiveram apenas as plantas perenes introduzidas e o agricultor nao deu conta de controlar o mato, enquanto que os SAF que apresentaram sucesso geralmente apresentavam alguma lavoura anual entre as perenes.
Mas apenas as anuais não são suficientes para garantir a viabilidade do sistema. Se não houver todos os estratos e diversidade de espécies, o agricultor necessitara de insumos de fora, como fertilizantes, para substituir o papel da ciclagem de nutrientes que a poda das diversas plantas presentes no sistema teriam, ou agrotóxicos, para controlar explosões populacionais de insetos ou microorganismos, geralmente ocasionadas pelo monocultivo, o que a biodiversidade e a dinâmica do sistema poderiam solucionar.
Tanto o sistema agroflorestal biodiverso como a pratica do pousio melhorado (capoeira melhorada com leguminosas de rápido crescimento como a mucuna e a puerária) tem o potencial de reduzir o desmatamento e as queimadas.
Para o desenvolvimento de sistemas de uso da terra mais sustentáveis como SAFs ou pousio melhorado, a troca de experiências entre agricultores é um método que temos utilizado e que tem sido muito útil. Isso é proporcionado por visitas entre agricultores, tanto para conhecer os resultados de suas parcelas experimentais, quanto para conhecer alguma técnica que o companheiro já utiliza e que muitos não conheciam. Quanto a isso temos um exemplo concreto muito interessante: o de um agricultor que plantava feijão sem utilizar fogo e tirava excelentes produções. O papel do técnico foi identificar esse fato e servir como um catalisador, ou seja, estimular a visita de outros agricultores à área deste agricultor inovador, que, inclusive, já utilizava e conhecia os benefícios da mucuna para enriquecimento de capoeiras, onde então, apos 2 anos de pousio, quando a mucuna dominava, ele semeava o feijão a lanço e cortava toda a biomassa. O feijão se desenvolvia sem necessidade de capinas, não havia problemas com mela (uma doença bacteriana que ocorre geralmente quando ha respingo de solo pelas gotas de chuva sobre as folhas do feijão) e o solo ficava todo protegido com a matéria orgânica.
Se nós técnicos fossemos mais ousados, mais criativos
e atuássemos como educadores e catalisadores do processo
de troca e construção de conhecimento, se soubéssemos
aproveitar melhor os recursos locais e se valorizássemos
o/a agricultor/a, sua trajetória de vida, seus anseios,
suas descobertas, certamente a agricultura seria menos excludente
socialmente, traria mais retorno econômico e conservaria
os recursos naturais, como a terra, a água, a biodiversidade.