Os Sistemas Agroflorestais dirigidos pela sucessão natural

(...um pouco dos fundamentos do manejo praticado por Ernst Götsch...)

por Fabiana Mongeli Peneireiro
Engenheira Agrônoma - MsC em Ciências Florestais na ESALQ/USP
Escola da Floresta - Rio Branco - AC
email:fmpeneireir@.(tirar_essa_parte).yahoo.com

Originalmento publicado em:
Boletim AgroEcológico no. 13 – Out/99 - p.12
www.agroecologica.com.br


A agricultura, pela área que abrange e pelas práticas que utiliza, é tida como uma das atividades humanas mais impactantes ao ambiente. Numa paisagem agrícola, árvores ainda são consideradas um obstáculo que impedem o progresso.

Ilustração de SAFNa paisagem, observa-se uma nítida separação entre áreas para produção (geralmente grandes áreas de monocultura ou pastagem) e áreas para preservação (mantidas sob proteção nas Unidades de Conservação).

Os Sistemas Agroflorestais dirigidos pela sucessão natural apresentam-se como um sistema de produção que além de produzir matérias-primas de interesse para o homem, conserva os recursos naturais, inclusive a biodiversidade, sem a necessidade de insumos externos (principalmente fertilizantes e agrotóxicos), indo ao encontro da tão almejada agricultura sustentável.

Ao se estar ciente de que lidar com a paisagem rural, com agricultura, é lidar com vida, e, ao se compreender os mecanismos ecológicos que ocorrem nos ecossistemas, observa-se que "a dinâmica da sucessão natural de espécies é sempre usada, mesmo em estágios mais avançados, como uma força que direciona o sistema e assegura a saúde e o vigor das plantas" (Götsch, 1995).

Os ecossistemas naturais estão sempre mudando, numa dinâmica de sucessão das espécies, caminhando sempre para o aumento da qualidade e quantidade de vida consolidada (Götsch, 1995). Estas mudanças se dão numa dupla via: os seres vivos alterando o ambiente e o ambiente atuando sobre os seres vivos. Cada indivíduo é determinado pelo antecessor e determina o seu sucessor.

O processo sucessional, para sua melhor compreensão, pode ser dividido em sistemas sucessionais, caracterizados por diferentes consórcios (para cada formação vegetal a combinação entre espécies varia), que podem ser vistos como apresentando plantas tipicamente pioneiras, secundárias e transicionais. Os representantes de todas as fases crescem juntos, porém, em cada fase da sucessão haverá uma comunidade dominando, direcionando a sucessão. Para cada consórcio, os indivíduos das espécies mais avançadas na sucessão não se desenvolvem enquanto as iniciais não dominam. As plantas precisam ser criadas pelas antecessoras. Neste processo, pode-se dizer, pela abordagem sistêmica/dinâmica, que a planta não morre, é transformada. A transformação é justamente o que dá idéia de continuidade, de dependência entre todos os indivíduos no tempo durante todo o processo sucessional (Götsch).

Para que o sistema sucessional evolua é preciso introduzir e conduzir consórcios corretos, efetuando o manejo adequado. O conhecimento tradicional local é muito importante para manejar agrofloresta pois é preciso conhecer as espécies que naturalmente ocorrem na região, suas funções, suas exigências ambientais (luz, nutrientes, umidade), quais as plantas companheiras, como se dão as relações entre plantas e animais (informações sobre dispersão), etc.

Para Götsch, consegue-se acelerar o processo sucessional da seguinte forma:

identifica-se as espécies adequadas, os consórcios de espécies e sucessão de consórcios que ocorrem na região, em solos ou climas similares (para otimizar os processos de vida, tenta-se chegar à maior biodiversidade possível para preencher todos os nichos gerados pelo mesmo sistema);
identifica-se o momento mais apropriado para o início de cada ciclo, isto é, do plantio de um novo consórcio, de modo que cada espécie encontre as melhores condições para se estabelecer, crescer, e finalmente, começar a direcionar o crescimento da comunidade;
acelera-se a taxa de crescimento e a progressão nos processos sucessionais empregando-se a poda e a remoção de plantas uma vez que elas comecem a amadurecer e desta forma ter completado sua função na melhoria do solo.

Conforme os recursos para a vida vão se tornando disponíveis, através da influência do consórcio anterior, pela adição de matéria orgânica, exudatos, alterações na micro e macrofauna do solo e animais associados, a sucessão vai avançando pela substituição de consórcios, com indivíduos mais exigentes, de porte maior, maior ciclo, com maior complexificação do sistema. É interessante observar que paralelamente ao desenvolvimento da sucessão das espécies vegetais, interagindo com as plantas, participando da rede alimentar do ecossistema, ocorre uma sucessão animal também, referente à fauna associada a cada um dos sistemas sucessionais.

Para tentar colocar uma certa ordem nesta complexidade aparentemente caótica que é a floresta tropical, um mosaico de diferentes idades e estágios sucessionais, a fim de tornar mais compreensível o "design" e manejo dos SAFs, é interessante que se agrupem em classes as espécies que naturalmente ocorrem em consórcios, de modo que seja possível classificá-las seguindo certos padrões.

Assim, é possível caracterizar os grupos sucessionais por meio de informações a respeito das espécies quanto:

duração do ciclo de vida;
altura do estrato que naturalmente ocupa;
padrão de ocupação;
características fisionômicas e
função das espécies dentro do processo sucessional. (conhecendo-se as necessidades ecofisiológicas de cada uma para que ela possa se estabelecer e chegar a dominar).

É possível identificar, para fins didáticos, os fundamentos-conceitos, envolvidos na elaboração e condução dos SAFs dirigidos pela sucessão natural:

buscar replicar os processos que ocorrem naturalmente, compreendendo o funcionamento do ecossistema original no local;
basear-se na sucessão natural (atentando-se de que, assim como uma forma de vida dá lugar a outra, criando condições ambientais satisfatórias, um consórcio também cria outro);
inserir a espécie de interesse para o homem no sistema de produção dentro da lógica sucessional, tentando se basear na origem evolutiva da planta (condições ambientais e consórcios que geralmente acompanha a espécie, ou seja, suas necessidades ecofisiológicas).

A idéia de SAFs sustentáveis só se desenvolverá e crescerá se forem obtidas evidências de viabilidade concretas, consistentes. Por isso, é preciso "por a mão na massa" e instalar SAFs, a partir dos conceitos que nortearão sua implantação e manejo. Recomenda-se que inicialmente sejam implantadas pequenas áreas, pois o aprendizado, muitas vezes, vem com os erros e acertos. Trabalhos em mutirões são muito úteis para a implantação dos SAFs, uma vez que a maior demanda por mão-de-obra se dá nessa fase.

A partir de experiências bem sucedidas (principalmente por agricultores) outros agricultores se abrirão para encarar a árvore como uma aliada e não mais como um obstáculo e poderão mostrar na prática que é possível uma relação harmoniosa entre ser humano e natureza, tornando-se enfim, indissociáveis.

Bibliografia
GÖTSCH, E. O Renascer da Agricultura. Rio de Janeiro: AS-PTA, 1995.

 

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